Será que ele era mesmo? – Uma análise sobre a biografia de Dener
Em primeiríssima mão - tanto que eu vou mandar pro professor só depois de postar aqui - o meu trabalho de Trep. O título do trabalho é o mesmo dessa postagem. Divirtam-se!!!!!
Um pequeno comentário a respeito de alguém que, como sempre dizia, era “um luuuuuxo!!!!”
A grande maioria das pessoas considera a moda e tudo o que gira em torno dela – sobretudo desfiles de modelos – como algo fútil. E, portanto, coisa de homossexual; isso se justifica pelo fato de muitos acharem que gays só se preocupam com a futilidade, em especial na área da moda. Daí o “rótulo” para qualquer estilista, ainda que muitos não sejam “entendidos”.
Na atualidade, temos no Brasil dois exemplos clássicos de estilista homossexual: Clodovil e Ronaldo Esper. Mas nem todos se lembram de um estilista anterior a esses: Dener (1936-1978). Pessoalmente, deste eu apenas conhecia uma citação de seu nome em uma crônica de Luis Fernando Veríssimo em que este questionava a homossexualidade na televisão; mas não sabia que Dener teve um impacto considerável na moda e na sociedade classe A dos anos sessenta e setenta.
O fato é que desde sua morte Dener caiu no esquecimento. Somente em 1998 foi lançada uma biografia a seu respeito, e é através dela que irei fazer uma análise sobre esse personagem tão intrigante. Bordado da fama – Uma biografia de Dener, de autoria de Carlos Dória e lançada pela Editora Senac de São Paulo, é uma leitura que faz um apanhado de como eram os grandes eventos de moda dos anos sessenta e setenta, além de traçar um perfil de Dener, que se lançou no estrelato ao se tornar o estilista pessoal da primeira-dama Maria Teresa Goulart, no início dos anos sessenta. Antes disso, ele desenhava para a Casa Canadá, considerada o ponto de referência da alta costura brasileira de então.
Excêntrico, perfeccionista, de temperamento forte e extremamente crítico quanto a seu trabalho, além de ter uma língua afiada para falar de moda e de pessoas, Dener era uma figura inconfundível. Nascido Dener Pamplona de Abreu, no Pará, vinha de uma família riquíssima e culta, e passou anos estudando moda na Europa e conhecendo os trabalhos dos grandes estilistas dos anos quarenta e cinqüenta como Balenciaga (considerado por Dener como o papa da moda) e Valentino. Através dessa trajetória, explica-se o interesse obsessivo de Dener pelo luxo, pelo clássico e pelo elegante; desprezava as “novas-ricas” que se enchiam de roupas estranhas e jóias exageradas para parecerem elegantes, odiava o prêt-à-porter (que caracteriza os desfiles e coleções de moda atuais), e considerava o jeans como “a falência do bom gosto”. Como se nota, ele teria chiliques ao ver as roupas de hoje; a especialidade de Dener era os vestidos longos, os blazers, os chemisiers (camisa-vestido, muito comum nos anos sessenta), as roupas sociais ao mesmo tempo simples e elegantes.
E em sua vida pessoal, será que ele era tão exigente, aliás, será que ele era, como dizia a velha marchinha carnavalesca? Beeeem... aí entramos num impasse. Embora fosse abominado pelos maridos de suas clientes e perseguido pela censura televisiva (pausa rápida: Dener foi jurado do programa de Flávio Cavalcanti, um popular programa de auditório em meados dos anos setenta) pelos seus trejeitos, roupas “delicadas” (sabe, de seda pura, babados, coisas bem masculinas...hihi) e sua vozinha fina – ou seja, mais gay impossível –, a partir do momento em que se conhece bem sua história, fica um tanto confuso estabelecer, logo de cara, um “rótulo”. Explica-se pelos motivos a seguir... vamos lá?
Dener tinha fama de bicha, até aí tudo bem. Mas a sociedade que o conhecia ficou “bege” quando soube do anúncio de que ele iria se casar. E com uma mulher. Aliás, uma menina: a bela e rica Maria Stella Splendore era apenas uma colegial de dezesseis anos quando conheceu Dener e bateu o pé que ele era o homem (sic... hehe...) com quem queria se casar. A família tradicional da moça teve um surto: um estilista, um homossexual! Mas no fim permitiram o enlace, talvez por dois motivos: primeiro, porque Dener, fosse o que fosse, era rico e de família nobre; segundo, porque, mais cedo ou mais tarde, Maria Stella veria o tamanho da “furada” em que estava prestes a se meter.
O que houve de fato na vida a dois do casal é ainda uma incógnita – visto que fofoqueiros de colunas sociais existiam, mas eles ainda não eram tão insistentes e minuciosos como os atuais – mas o fato é que o casamento durou quatro anos e gerou dois filhos – Frederico e Maria Leopoldina. Maria Stella lançaria alguns anos mais tarde uma autobiografia em que acusa Dener de lhe estragar a juventude, mas não fala nada a respeito da suposta homossexualidade dele, o que é de se refletir. Em suma, Dener agiu como um heterossexual normal ao se casar e ter filhos, mesmo com uma considerável torcida achando isso meio surreal.
Ao final dessa história houve quem achasse que, agora sim, Dener revelaria seu lado mais “alegre” – tanto é que passou a ser visto em companhia de seu mais recente manequim, um mulato bem apessoado – mas houve uma segunda surpresa: em 1975 Dener se casou novamente, com a socialite Vera Helena de Carvalho, uma bela mulher de olhos e cabelos claros. O casamento durou até 78, ano de sua morte, e não houve especulações sobre como foi a vida íntima do casal. Ponto para a privacidade de Dener, ainda que a imprensa “jogasse verde” fazendo insinuações e comentários sobre a sua conduta.
Diante de tudo isso, o que pensar? Dener era hetero? Era gay? Era bi? Ou nenhuma das alternativas? Através da sua biografia, o que eu pude concluir foi o seguinte: ele foi alguém super fanático pelo seu trabalho (tanto que isso foi uma das causas dos fracassos nos dois casamentos). A moda para ele era tudo; e para essa paixão – superior ao carinho pelos filhos e à paixão sentida nos curtos relacionamentos com suas esposas – valia tudo. Inclusive criar um tipo: o do estilista “afrescalhado” que conhece o que a mulher rica e de bom gosto deseja e precisa; mas que sabe que precisa ser menos homem para não despertar o ciúme dos maridos de suas clientes, que são os fornecedores dos cheques que garantem seu estilo de vida requintado. Vide algumas frases proferidas por ele:
Eu estava decidido a inventar a moda brasileira, sabia que podia e não me faltava o talento de figurinista.
Devo muito à Casa Canadá que foi minha primeira escola. Até os 17 anos aprendi ali os grandes segredos da alta-costura, aprendi a diferença entre ser vedete e ser vulgar, aprendi a viver, usando a força, para fazer o que me desse na veneta.
O que eu pude fazer para chocar e chamar a atenção eu fiz.
Há uma diferença grande entre mulher bem vestida, mulher chique e mulher elegante. Agora criei uma nova categoria: a mulher luxo.
Mulher luxo: quando aparece no salão, todos sabem que alguém chegou e não é a governante!
Uma mulher luxo não lança, ela consagra a moda lançada pelas elegantes.
Como o brasileiro adora novidade e é vaidosíssimo, o resultado de sua melhora de vida são roupas mais caras.
A alta costura é o laboratório da moda de um país. A alta costura inspira os modelos, mexe a engrenagem de todo o mundo da moda, lança padrões, estilos. Nenhum país tem moda própria, se não tiver uma excelente alta costura.
O brasileiro só não compra roupas caras, se não tiver dinheiro. Fica sem comer, mas está pagando a prestação de suas camisas e dos vestidos da mulher. Quando não tem dinheiro, está doido para ter...para comprar roupas.
Assim, ao criar a imagem que fez de si, Dener agradou a gregos e troianos. Se teve mesmo algum relacionamento homossexual? Quem sabe... ele era do tipo que queria viver, e viver bem. Sua morte por cirrose (os desgostos por que passou fizeram-no um alcoólatra), prematura e em um momento de falência financeira e esquecimento do público foi algo desolador e triste, para quem gostava de aproveitar ao máximo os bons momentos e dizia que sua missão nesse mundo era a de trazer luz para as pessoas. Talvez sua vida tenha sido isso: um meteoro que passou rápido demais, mas que deixou um rastro luminoso que insiste em não querer ser apagado.
Quanto a seu comportamento propositalmente afetado nos meios de comunicação, sobretudo na televisão, pode-se refletir que, ao fazer isso, Dener estava fazendo uma caricatura de si mesmo, e não dos homossexuais, como vemos muito em programas humorísticos de hoje, que criam estereótipos, fazem troças, mas não incentivam nenhum respeito a quem decidiu ser diferente. E, indiferente ao fato dele ser ou não ser homossexual, acredito que a sua missão no mundo da moda em especial foi trazer o requinte e a simplicidade no vestir, e a disciplina à profissão de modelo, num tempo em que não era preciso morrer – literalmente – para atingir o padrão ideal de beleza...
1 Comments:
Mocinha, tens um talento aflorando. Em se falando de alta costura, procure saber sobre Madeleine Vionet, a mulher que virtualmente inventou a modalidade. Ela nunca tirava medidas, esculpia a roupa no corpo da cliente e depois costurava, costumava fazer mangas sem costura. Vale a pela procurar.
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